Cenário de desemprego baixo e alta da massa salarial mantém inflação pressionada
A taxa de desemprego no Brasil ficou em 6,4% no trimestre encerrado em setembro, segundo dados do IBGE, no segundo mês seguido que o indicador veio abaixo do esperado. Esse quadro, aliado ao crescimento da renda do trabalho e da massa salarial como um todo, deve manter o consumo aquecido e continuar pressionando as expectativas de inflação, dizem economistas.
Claudia Moreno, economista do C6 Bank, destaca em comentário que a taxa de setembro é a menor para o mês de toda série da PNAD, o que confirma a robustez do mercado de trabalho. Na nossa série com ajuste sazonal, a saiu de 6,6% para 6,5%, a mais baixa da série histórica.
Um dado relevante é que, após uma trajetória de recuperação, o rendimento real habitual andou de lado no trimestre encerrado em setembro (-0,3%), embora ainda acumule um ganho real de 3,7% na comparação com o mesmo período de 2023.
“O que temos visto nos últimos meses é que a combinação do aumento do nível da ocupação com elevação dos salários tem impulsionado a massa de renda real habitual, que subiu 7,2% em relação ao trimestre encerrado em setembro de 2023”, comenta.
Para ela, mesmo com a expectativa de desaceleração da atividade no segundo semestre, a taxa de desemprego permanecerá baixa até o final de 2024, mantendo a massa salarial em alta e estimulando a atividade econômica.
“Nossa previsão é que o PIB cresça 3% em 2024 e 1,2% em 2025. Apesar de projetarmos uma atividade mais fraca em 2025, acreditamos que o mercado de trabalho continuará forte, terminando o próximo ano com uma taxa de desemprego próxima de 6%”, prevê.
Claudia explica que, se por um lado o mercado de trabalho aquecido significa que existem mais pessoas ocupadas, o que é bom para a atividade, por outro, torna mais desafiador o controle da inflação, já que há maior pressão sobre os preços dos serviços.
Rodolfo Margato, economista da XP, concorda que as condições do mercado de trabalho sustentam a demanda doméstica no curto prazo, um fator positivo para as projeções de PIB. Mas que, ao mesmo tempo, dinâmica mantém as preocupações sobre inflação mais alta adiante, especialmente os preços dos erviços.
Ele destacou nos dados do mês o crescimento generalizado entre as categorias de emprego. O total de ocupações formais, por exemplo, subiu 0,4% entre agosto e setembro e 3,1% quando comparado ao mesmo mês de 2023, alcançando 61,1 milhões.
“Em relação aos dados desagregados, a categoria de ‘trabalhadores do setor privado com carteira assinada’ foi o destaque, crescendo 0,7% na base mensal e 4,3% na interanual. Por outro lado, a soma das categorias de ocupação informal avançou 0,6% e 3,3%, nesta ordem, atingindo 41,8 milhões. Projetamos que a população ocupada total crescerá 2,5% em 2024, com números positivos na maioria dos setores e tipos de ocupação”, calcula.
Sobre os rendimentos reais do trabalho, Margato destaca que eles caíram em setembro, após ganho acima do esperado em agosto. “Ajustado pela inflação, o rendimento médio habitual do trabalho declinou 0,5% em setembro, após crescimento de 0,8% em agosto. Porém, o indicador avançou 3,7% ante setembro de 2023 e 4,4% no acumulado dos últimos 12 meses”, compara.
Assim, a massa de renda real do trabalho – que combina população ocupada com rendimento médio – caiu 0,1% em relação a agosto, mas saltou 7,2% em relação a setembro de 2023 (6,9% com base no acumulado em 12 meses).
A XP estima que a renda real disponível às famílias deve crescer cerca de 7% em 2024, muito acima das estimativas iniciais ao redor de 4,5%. “Para 2025, projetamos desaceleração gradual (alta de 3%), em linha com a redução do impulso fiscal e o aperto das condições monetárias”, diz o economista.
“Em linhas gerais, esperamos leve desaceleração no mercado de trabalho. Os altos níveis de emprego e renda continuarão a sustentar a demanda doméstica no curto prazo. Nossa projeção para a taxa de desemprego ao final de 2024, atualmente em 6,5% , tem viés para baixo”, afirma.
Sobre o PIB de 2024, a projeção da XP é de elevação de 3,1% em 2024 e de 1,8% em 2025.
Igor Cadilhac, economista do PicPay, também acredita que esse resultado reforça a sequência de sinais positivos no mercado de trabalho brasileiro. “Qualitativamente, o quadro da taxa de participação avançou de 62,3% para 62,4%, o nível de ocupação de 58,1% para 58,4%, e a taxa de informalidade se manteve estável em 38,8%”, compara.
Ele destaca que o número total de trabalhadores no Brasil bateu um novo recorde, chegando a 103 milhões, enquanto a população desocupada reduziu para 7 milhões de pessoas, o menor nível desde 2015.
Sobre os salários, a estabilização em patamar elevado, com o rendimento médio real em R$ 3.227, traz alguma preocupação pensando agora nas implicações para a dinâmica inflacionária, diz Cadilhac. “O hiato do produto apertado traz alguma preocupação, sobretudo com a nova regra do salário-mínimo”, comenta.
“De modo geral, a leitura qualitativa do indicador é de que o mercado de trabalho segue forte e com uma composição saudável, recuperando suas características intrínsecas, que agora estão com um desemprego estrutural mais baixo. Olhando à frente, esperamos que ele continue aquecido e resista nesse patamar historicamente baixo por mais um bom tempo. Para 2024, projetamos uma taxa média de desemprego de 6,95%, terminando o ano em 6,1%.”
Na opinião do Goldman Sachs, o mercado de trabalho muito apertado, o hiato do produto positivo, dinâmica salarial real acima do crescimento da produtividade e políticas fiscais e parafiscais pró-cíclicas exigem monitoramento atento de seu impacto na inflação de serviços e na convergência da inflação para a meta.
Já Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, no contexto da política monetária, os resultados da PNAD podem pressionar o Banco Central em suas decisões sobre a taxa Selic.
“Com o aumento recente e a sinalização de novas elevações, a autoridade monetária tem focado em controlar a inflação, mas o fortalecimento do mercado de trabalho e o aumento dos salários, embora positivos, podem contribuir para uma pressão inflacionária no longo prazo”, comenta.
“Dessa forma, a decisão do BC de manter o ciclo de alta nos juros se justifica como um mecanismo de equilíbrio para conter uma potencial aceleração inflacionária, enquanto o mercado de trabalho segue se aquecendo”.